Arquivo para dezembro \13\+00:00 2022

/“What a Bum Kick To Die In This Awful Place?”

/ Direção e Roteiro: Roberto Panarotto

/ Sinopse:

De qualquer jeito, ouça minhas últimas palavras. Em dias pingados pra não ficar surdo. Sublimar sua individualidade em melodias soterradas. Em pretextos para criar ruídos ou novos timbres. Não precisa mais, deixa do jeito que está.

/ Créditos:

Direção e Roteiro: Roberto Panarotto

Câmera: Roberto Panarotto, Demétrio Panarotto e Eduardo Fernandes.

Pós-produção de áudio: Roberto Panarotto

Trilha: “Loopzinho” – John filme c/ a participação de Roberto Panarotto

Atuação: Roberto Panarotto e Demétrio Panarotto

Quadro: Ilaine Panarotto – (o Velho Burroughs)

___________________________________________________________________

/ O evento.

O curta foi produzido para o evento “Inflamável”, um festival de realização de curtas experimentais em tomada única no formato Super-8, sob a idealização, curadoria e realização de Cláudia Cárdenas e Rafael Schlichting (Duo Strangloscope). As gravações aconteceram em dezembro de 2021 e o evento de lançamento dos curtas foi realizado em março de 2022.

Card de divulgação utilizado.

Intagram do evento: https://www.instagram.com/inflamavelfestivalsuper8/

VEJA O CURTA AQUI: https://www.youtube.com/watch?v=paGDB3HUNuw

/ As regras.

O filme deveria ser feito em tomada única, não poderia ter uma pós-produção de montagem, nem de tratamento de cores. A trilha de áudio (se tivesse) teria que ser composta sem o compositor ver o filme.  O diretor convidado veria o filme junto com o público quando a plataforma com todos os curtas do evento fossem ao ar no lançamento. 

/ O processo.

O processo de desenvolvimento dos curtas foi igual para todos os diretores participantes (ao todo 24), que receberam uma câmera com um rolo de filme super-8 (com cerca de 3 minutos, em pb ou em cores). Depois de realizado o curta, a câmera e o filme foram devolvidos para a equipe organizadora que encaminhou o filme para ser revelado e digitalizado. Se o diretor optasse por um áudio, esse áudio seria realizado sem o acesso às imagens filmadas e a edição do áudio no arquivo final foi feita pela equipe do festival. Ao final, depois do filme exibido nas plataformas online, o arquivo digital com o filme foi entregue aos participantes.

/ Roteiro – estrutura.

Pensei que esse roteiro poderia ser construído primeiramente entendendo as delimitações que as regras impõe a realização do curta. Quando se tem esse tipo de proposta com regras claras, elas acabam determinando certas limitações, o que ao meu ver, torna a criação algo interessante. Em todos os filmes ou produções cinematográficas acontecem percalços, nesse caso os percalços faziam parte da regra e naturalmente, se bem utilizadas, contribuem para a estética final. 

Com isso em mente fui determinando algumas premissas que me facilitariam na captação das cenas. Por exemplo, determinei que essa sequência de cenas, seriam gravadas num só local onde eu pudesse ter uma variação de ângulos, para que não precisasse me deslocar muito para realização. Também entendi que essa dinâmica de gravação ajudaria a determinar um ritmo ao filme, já que eu não teria a opção de ver o que foi gravado para um possível ajuste de montagem. 

/ Roteiro – ideia.

O roteiro foi construído com a ideia estabelecer relações a partir das mais diversas manifestações artísticas ligadas a tecnologias da década de 70. Tendo o cinema como base, mas tentando entender como relacionar à fotografia, como inserir a pintura, ou a literatura… a música… e assim por diante.  

Determinei que alguns objetos não só criariam essa conexão, mas também estabeleceriam possibilidades narrativas. Nasci na década de 1970 e tenho essa relação afetiva que se dá justamente pelo uso dessas ferramentas dos formatos analógicos, dos toca discos, fita cassete mas nesse caso do curta, entendendo o cinema enquanto Super 8, a fotografia através da câmera Polaroid e a pintura através de um quadro que tem na casa da minha mãe e que foi pintado por ela em 1979. Quando era criança acompanhei a minha mãe pintando esse quadro. Na época eu deveria ter 6 ou 7 anos e esse momento ficou marcado porque era um primeiro contato que eu tinha com a pintura, mas também porque esse quadro sempre esteve presente em diversos momentos nas mais diferentes mudanças que a família teve ao longo dos anos. Sempre me chamou a atenção esse velho sentado num banco de uma praça, refletindo sobre alguma coisa, numa atmosfera outonal que desaparece em função do preto e branco usado no filme, mas muito presente quando se vê a imagem em seus tons originais.  Ao fundo, compondo esse cenário, uma casa misteriosa com aspectos bucólicos e que de certa forma remetem as ruas da minha infância. 

O que isso quer dizer? O que esse velho está pensando? Quem é esse velho? A cada momento em que observo esse quadro, percebo que o tempo modifica as respostas para essas perguntas. Entendi que colocando o quadro no filme, poderia criar um outro desdobramento para ele. Encontrar outras respostas ou estabelecer novas dúvidas. 

Anotações roteiro.

/ Roteiro – escrito. 

Fiz algumas anotações, do que eu queria e de como eu pretendia realizar o curta. Não foi um roteiro fixo, com planos, ângulos e tempo determinados. Até pensei que poderia fazer isso na intenção ou na ilusão de determinar certo controle, mas acabei desistindo. Porque ao filmar em super-8, a cronometragem do tempo não é precisa e achei que não faria sentido, dispor tanto esforço num aspecto técnico que no final não faria diferença alguma na proposta que pretendia realizar. Me concentrei no feeling do que cada cena poderia proporcionar, de como essa sequência determinaria um ritmo e de como os cortes bruscos e repetições ajudariam a criar a atmosfera desejada. Sempre que penso uma ideia para um novo filme, um argumento ou então um roteiro, estabeleço algumas premissas conceituais do que eu quero e como eu quero que sejam feitas. Deixo sempre em aberto as possibilidades de um ocasional que possa vir acontecer. Algo que vai adentrar na ideia, vai direcionar algumas interpretações, mas não vai modificar a essência. 

/ Camadas e repetições.

O filme é um conjunto de camadas e intersecções, como as folhas de um livro que se sobrepõem, se complementam e que acumulam poeira. Como uma pintura que se forma a partir das camadas de tinta que se misturam em espaços relativos, mas que também criam texturas e ruídos quando se observa em ângulos diferentes. Que desbotam com o tempo, se complementam nesse envelhecimento e ajudam a atribuir outro formato à imagem. Como a imagem que está sendo filmada e fotografada, que se apresenta no filme, como parte de uma mis-en-scene onde não vemos resultado do que foi fotografado e que não importa, porque narrativamente estamos nos referindo ao ato de criar camadas em diferentes tipos de verticalidades. Num tipo de fotografia que é química, instantânea e frágil. Muito próxima à ideia de finitude, de um tempo que se esvai, como as tecnologias que se renovam ou como as histórias que aos poucos vão desaparecendo.

Subjetivamente queria criar essas camadas que se apresentam de forma repetitiva. Entendendo que esse tanto de tempo depois que se passou, desde então, poderia ressignificar o contexto como um todo, porque tudo ali é perecível. 

O olhar circular das coisas que se repetem, dessas situações cotidianas que se proliferam em circularidades e se modificam a cada piscar de olhos. A ideia de um filme que, assim como o tempo, gira em torno de si mesmo. Um vortex que determina o centro, mas que se movimenta fazendo com que esse centro possa se deslocar determinando não só um outro lugar no espaço mas também no tempo. Uso esse recurso narrativo e conceitual em outros filmes que eu dirigi.

/ Polaroid.

Desde o início, na minha concepção as polaroids tiradas seriam utilizadas num cartaz de divulgação do curta, que acabou não sendo feito. E não foi feito, porque não foi necessário, mas achava interessante essa outra conexão e possibilidade que a narrativa teria ao se desdobrar, saindo da narrativa do filme, mas fazendo parte do cartaz. Gosto desses desdobramentos de uma história que se apropria das possibilidades de divulgação não de forma publicitária, mas entendendo que elas possam acontecer de forma complementar. Como acontece nesse caso do possível poster, mas também na sinopse de divulgação que entendo como parte narrativa do filme e assim por diante.  

Fotos polaróides tiradas durante o filme.

/ O Lugar. 

O lugar em si, não tinha importância, não queria essa identificação do espaço, deixando mais aberto a interpretações. Tinha em mente que a execução poderia ser mais simples e num primeiro momento tinha pensado em fazer numa sala (sem muita decoração), somente com o quadro de fundo onde eu e o Demétrio estaríamos um de frente pro outro realizando os gestos fotográficos. Um filmando o outro, que estaria fotografando e vice-versa nesse ciclo de repetições em plano e contraplano. Rápido, frenético, repetitivo e instantâneo. 

Primeira ideia de organização de planos e local.

Em conversas com a Cláudia e o Rafa, eles comentaram que se fosse fazer em local interno, precisaríamos de mais luz, talvez mais pessoas para ajudar e isso acabaria complicando. Partimos pra ideia de fazer em local ao ar livre com o intuito de facilitar. Em Florianópolis qualquer deslocamento é difícil em períodos do ano “normais”, em época de fim de ano, onde o turismo se acentua, dificulta mais ainda. O Demétrio sugeriu fazer no pátio da universidade (UFSC). Entendi que podia executar a mesma lógica de repetições, sem modificar muito da ideia original, mas entendendo que poderia determinar outras possibilidades de ângulos e sequências, mas também de ritmo que o filme poderia ter. Um exemplo disso é a cena de abertura. Ela não havia sido pensada quando a ideia era filmar numa sala. O mesmo aconteceu com a cena em que aparece eu e o Demétrio ao mesmo tempo. Essa cena, em princípio seria o encerramento do filme e faríamos de forma mais simples. estando num local ao ar livre, tinha sempre o movimentos das pessoas e numa dessas vimos um grupo de jovens passando e resolvemos solicitar o auxílio de alguém para filmar. Aí vem as coincidências, porque um dos jovens, o Eduardo Fernandes, é estudante de cinema e gentilmente se prontificou a filmar a cena, mesmo que nunca tivesse filmado em Super-8. 

/ Estética – PB?!

O festival oferecia as duas oportunidades, de um filme colorido ou preto e branco. Optei pelo preto e branco porque entendi que acentuaria esse fator da nostalgia também pelo fato de ser feito em Super-8 e isso deixaria os tons e as texturas mais espontâneos. Acredito que a minha escolha tenha sido certeira porque consegui um resultado mais intenso de uma estética retrô mais suja e que tem a ver com essa memória que se torna cada vez mais turva com o passar dos anos. Também remete a um tipo de filmes realizados em preto e branco e que gosto muito.

/ A trilha.

A trilha foi um processo à parte. Como não podia ver o filme, pensei em criar uma linha sonora onde a construção de ruídos se encaixasse de forma mais espontânea e que ajudasse a potencializar essa estética do ruído que também estão nas imagens. 

Em alguns momentos utilizo alguns samplers de “melodias” e tem um momento que acrescento uma música em específico que se chama “Loopzinho” e que foi gravada em 2021 pela banda John Filme comigo tocando bateria e que está num Ep “tributo” a banda Repolho (que foi lançado no mês de setembro de 2022 pelo Selo 180). Como o próprio nome diz, traz em essência esse lance repetitivo de uma melodia que se reproduz em loop onde são acrescentadas outras informações. A música não foi gravada pro filme,mas entendi que teria tudo haver. 

As vozes são repetições de falas aleatórias sampleadas de entrevistas com o escritor William Burroughs. Ao meu ver a voz dele soa de maneira musical. Gosto do jeito como ele fala, sempre de um jeito cadenciado, com sotaque acentuado e com uma espécie de ritmo de entonação. De uma das frases ditas por Burroughs eu tirei o título do filme, que não aparece escrito, mas sim falado no início. Achei legal essa ideia de não ter texto na imagem. Se fosse colocar o título escrito, teria que ter filmado quando o filme foi feito (porque não tinha como fazer a pós-produção conforme as regras), mas achei melhor recorrer a esse recurso. Em momento algum, enquanto desenvolvia as ideias tinha pensado em filmar algo escrito. 

/ Filme mudo.

Na primeira vez que vi o filme (conforme eu falei, quando os filmes foram publicados no youtube no lançamento), assisti sem o áudio, e gostei bastante. Quando, posteriormente, tive a oportunidade ver o filme com o áudio, achei um pouco estranho, mas com o tempo fui me acostumando. Passei a entender que o filme tem essa possibilidade de ser visto de duas formas: com ou sem áudio, e com isso, temos dimensões diferentes. 

Porque ao meu entender, o ruído que está na trilha, também está na imagem e em alguns momento me parecem excessivos. Gosto do ritmo das imagens sem o áudio, porque eu pensei para que fossem vistas dessa forma. E também porque esse vazio da falta do áudio cria uma atmosfera interessante. O áudio que eu fiz acabou ficando um pouco “tenso” atribuindo até mesmo um certo suspense ao filme. Não acho isso ruim, mas foi somente uma percepção inicial que uma situação ocasional acabou causando. E lógico que acho interessante entender como essa interferência do áudio (ou não) torna visível esses contrapontos estéticos. 

/ Super-8 (!?)

Filmar em Super-8 é entender que o fator ocasional pode acontecer de várias formas. Porque se trata de um formato analógico que é realizado em várias etapas. 

Sempre que filmei em Super-8 fui surpreendido e entendo que esse é um dos grandes benefícios. Temos essa ideia de um controle aparente, mas que não se concretiza na prática (ousaria dizer que em nenhum tipo de filmagem). Mas no caso específico do super-8 é realmente uma grande incógnita. No caso do festival, aconteceu de um dos filmes (segundo relato da produção do evento) ter que ser refeito porque o filme “queimou”. Não sei exatamente em qual dos momentos, se foi na filmagem, se o próprio filme estava “estragado”, ou se foi na hora da revelação. Mas isso é outro fator interessante, porque se isso tivesse acontecido com o meu filme e eu tivesse que refazer o filme que fiz, seria um outro filme (como possivelmente deve ter acontecido com esse outro diretor). Por mais organizado em termos de sequência, de planos ou de cronometragem de cenas (que não foi o meu caso), mesmo repetindo tudo de forma “identica”, não é e nunca vai ser o mesmo filme. É sempre outro filme. 

/ WHAT A BUM KICK TO DIE IN THIS AWFUL PLACE?

O que significa? Numa tradução mais livre seria algo do tipo, “como morrer nesse lugar horrível?”. Mas qual seria esse lugar? escrevi acima que a minha ideia era deixar isso em aberto. E aqui, com esse título só reforça que o lugar, poderia ser  qualquer lugar do planeta terra e que na real isso não importa muito. Mas entendo que os desdobramentos poderiam levar para diversos lugares. Gosto de pensar dessa forma, mas gosto de me possibilitar uma ligeira interpretação disso tudo. Por isso mesmo, esse lugar poderia ser Florianópolis onde o filme foi gravado ou então Chapecó, cidade onde eu moro a minha vida inteira. Mas poderia ser um estado de espírito, um local imaginado, proporcionado pelas artes. Pela pintura, imortalizado na imagem de um velho sentado num banco de uma praça. No ruído de uma trilha intensa e repetitiva que te arrasta para lugares matemáticos. Numa fotografia em polaroid que deixa de existir porque se torna obsoleta ou num filme em super-8 que resgata a essência de um sentimento. A morte é certa e o filme determina o tempo de três minutos para que isso aconteça. 

ROBERTO PANAROTTO – TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.

Visitas

  • 43.135
dezembro 2022
S T Q Q S S D
 1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031