texto por: Valdemir A. Oliveira – Professor da ACHJ (Unochapecó) – mestrando em educação.
Havia muito tempo que não saia do conforto de meu sofá para ir ao cinema ou assistir alguma produção quer fosse teatral, poética ou qualquer outra. Alienação… comodismo… preguiça… escolha você. Entretanto a possibilidade em assistir Roberto Panarotto quebrou a rotina. “OPA!!!!” Característica do universo linguístico chapecoense e oestino a interjeição, assim colocada, não o está por acaso… E foi assim que me senti… OPA!!! “tudo bem e você”, “me desculpe”, “espanto”, “tem algo diferente por aí”. Em “Plástico” a irreverência peculiar de Roberto Panarotto cede lugar a uma sensibilidade própria daqueles que respiram e transpiram arte pelos poros sem muito esforço. O estilo de “quase sempre”, a bermuda, a camisa grande e a barba também, embora embranquecida… grisalha… experiente… mais “velha”.
Creio, arriscando no equívoco da suposição, que seja isso, o tempo expõe em “Plástico” um diretor desnudado, uma nudez universal e um sentimento de retorno ou quem sabe de pertencimento. Se a personagem da ficção interpretada por Kassio Canan vive o drama entre as quase partidas, em quase lugares o diretor parece, aos meus olhos, retornar ao lugar de onde insiste, mesmo que “negado” muitas vezes através de suas irreverências, em permanecer. A sensibilidade com que Panarotto produz o filme conduz o telespectador, guardadas todas as proporções, a Holden Caulfield de Salinger na primorosa obra literária “O apanhador nos Campos de Centeio”. É como se a personagem, movida por um constante estado de intermitência, procurasse romper com a inocência que insiste em permanecer mesmo que a contragosto. A cidade que não se faz cidade, os edifícios que brotam “transgênicos”, o arfar do peixe que definha, a paixão “inventada”… angústia, a monotonia no lamber repetitivo da proteção “plástica” do pote de iogurte… a doce, melancólica, poética e, as vezes, sutilmente satírica trilha sonora, um quase amor “Lolita” de Nabokov. Assistir “Plástico” é como sentir um saco plástico, que nas brincadeiras de criança permitia, ao vendar os olhos e impossibilitar a entrada do ar, a sensação de ser “outros” que desejam furiosamente sair, mas insistem em ficar. Plástico não é um filme sobre uma história tão pouco uma produção “caótica”. Ao contrário, está no universo daqueles textos que nos fazem sentir o tempo todo como seres de fronteiras, nas margens e nunca nos centros. Se em Lolita Humbert rotula a si mesmo como o “louco” que toma para si a infância de Dolores, em “Plástico” a personagem de Kassio ao deixar Isabel e assumir a partida, metáfora da “morte” ausência anunciada, liberta também os outros, o tempo, o lugar de uma presença que não pertence a lugares ou tempos marcados e definidos, quem sabe aí resida a universalidade da produção. Plástico nos faz perceber que estar nas fronteiras significa também a possibilidade de estar em todos os lugares ou em lugar algum, ora protegido ora desprotegido, ora em êxtase ora em profunda desilusão. A monotonia nos pontos de ônibus incrivelmente desabitados aos olhos da personagem,o ônibus que jamais chega… a espera angustiante. A descoberta do amor, a rotina… o partir, mais uma vez o peixe… a água e a geladeira lugar em que buscamos algo que nunca está. O andar. Plástico, em meus olhares, é o “útero” que gestou a “maturidade intelectual” de Roberto Panarotto, é como se a obra representasse metaforicamente, através de ações e de um enredo beirando o psicodelismo, as descobertas e desencantos do próprio autor magistralmente apresentados na Sinopse.
“Eu queria que aquela sensação durasse eternamente. Mas não é assim que acontece. As coisas nem sempre saem como planejamos. É assim com todo mundo. É assim com você. E comigo foi assim também. Quando os jardins se bifurcam optamos sempre pelo lado errado.”
Em 31 de outubro de dois mil e quatorze no teatro, em algum lugar, passou Salinger, passou Wenders, passou Lynch, passou Panarotto, passamos Nós, passou “Plástico”. Fiquei tomado por profunda e bela comoção.
Valdemir A. Oliveira – Professor da ACHJ (Unochapecó) – mestrando em educação.