Já foi. Aconteceu no fim de semana em que Chapecó estava prestes a comemorar 93 anos de idade com o show de um tal de Luan Santana. Pois bem em contra partida a isso. Júpiter Maçã veio até a cidade para duas apresentações. Não era comemoração de nada. Foi uma boa coincidência que achei que poderia funcionar no inicio do texto. Isso porque Júpiter tem uma história bacana com a cidade. Todos os shows que ele fez aqui sempre tiveram uma repercussão legal e de certa forma foram shows marcantes na própria carreira dele e dessa vez não foi diferente. Júpiter veio até Chapecó para tocar no Premier Bier e para uma segunda apresentação pelo projeto Unocultural da Unochapecó. A idéia era simples e a parceria foi a seguinte. A titulo de facilitar os custos traríamos o Júpiter para duas apresentações. Como um dos shows seria gratuito, os dois shows teriam que ser diferentes. Propusemos isso para o Júpiter que adorou a idéia e nos proporcionou duas noites de rock, psicodelia, Cat Power, cinema entre outros. De lambuja aproveitamos para empenha-lo na gravação exclusiva de um programa de tv (estúdio A da Unowebtv – links abaixo) onde ele tocou 6 músicas no formato voz e violão e mais um vídeo clip para o próximo single dele intitulado Urban Blue ou Gotic Love. Júpiter que chegou em Chapecó na manhã de sábado não parou. Foi um intenso final de semana extremamente produtivo.
Conversamos fim do ano passado em São Paulo, um bate papo descontraído e atualizando as novidades ao seu respeito. Falamos muito sobre essas novas possibilidades e formatos que surgem a partir da internete. E no bate papo ele foi explicando essa nova fase. Uma fase de singles, elemento que era bastante comum na década de sessenta quando as gravadoras lançavam singles para testar determinados grupos no mercado para depois investir num álbum completo. Como a história se repete, podemos hoje facilitar as coisas e pensar em singles (que é mais fácil e rápido de gravar). Consequentemente acaba agradando o público ávido por novidades a todo instante. Quando fechar um numero x de singles lança-se o álbum. E essa é uma das idéias do Júpiter a fim de pensar as coisas de forma mais interessante e proporcionar ao publico as novidades urgentes como diria Frank Jorge. Isso sem contar que ele pode pensar singles com características diferentes e ao mesmo tempo pensar na estética do material, fotografia, videoclip etc. Tudo isso acontecendo em paralelo a criação musical. A música de Júpiter Maçã sempre apresentou esse senso estético e dessa vez ele pode se dar o luxo de pensar as coisas de forma invertida. Pode surgir a imagem para depois surgir a música e assim por diante.
Vamos aos shows…
O show do Premiere foi muito foda. Um verdadeiro show de rock com tudo o que se tem direito. Grandes hits, releituras de músicas dos Cascavelletes e TNT, (que funcionaram no contexto) uma banda boa e performances legais. Essa nova etapa da carreira do Júpiter é uma etapa sóbria e focada em algo que ele sempre faz questão de enfatizar, tem o apelo pop, mas tem elementos de vanguarda. Isso fica perceptível no show. Ao mesmo tempo que é extremamente agitado, dançante e possibilita ao publico cantar junto. Tem o resgate de músicas do álbum mais complexo (e incompreendido de certa forma) dele que é o Hisscivilization. As musicas ao vivo adquirem uma outra roupagem, mas não menos intensa. Mas a sacada do show é exatamente essa, mesclar elementos. Levar o publico ao delírio com os clássicos e deixar momentos mais cerebrais para dar uma relaxada (ou vice versa). Durante esse novo repertorio surpresas como a canção “Eu e Minha Ex”. Uma baita musica que é muito pouco explorada pelo Júpiter nas apresentações ao vivo e que tem um potencial sensacional. Partindo desse principio ele vai revisitando a obra, Síndrome de Pânico, a Marchinha, Beatle George, Miss Lexotan, Lugar do Caralho… todas estão ali, grandes sucessos em versões diferentes e não menos empolgantes do que as versões que estão nos discos. É impressionante como o público se delicia e canta durante todas as músicas. E o repertório Jupiteriano possibilita um show com diversos momentos extremamente pop. Depois de fazer isso e presentear o publico com o que o publico quer ouvir ele abriu espaços para momentos mais introspectivos e sensacionais onde executou novas versões para músicas do disco Hisscivilization e apresentou músicas novas como “Six Color Frenesi” e “Cerebral Sex”.
A nova formação apresenta uma banda muito boa. Essa é outra possibilidade camaleônica. Em se tratando de uma carreira solo, a cada cartada ele pode juntar novos integrantes para novos shows e novas perspectivas musicais. A banda é formada por Faraco no baixo, Julio Cascaes que retorna a banda na guitarra, Julio Sasquat (também baterista do Blackbirds e empresários do Júpiter) na bateria e Astronauta Pingüim nos teclados e moog. Com essa base sonora Júpiter fica mais a vontade como croner possibilitando uma versatilidade maior na sua performance. Ele até toca guitarra em algumas músicas, mas sem esse compromisso ele fica mais solto para dançar e interagir com o público. Uma noite legal e divertida, mas nada perto do que viria a seguir com uma apresentação totalmente insana, fantasmagórica e genial.
Parte 02 – O dia em que as paredes do sindicato derreteram. Literalmente.
O segundo show do Júpiter Maça foi uma organização do projeto Unocultural da Unochapecó, dos quais eu sou um dos organizadores. Foi nesse clima que surgiu a idéia de traze-lo novamente pra Chapecó. E o que poucas pessoas sabem é que muito dessas idéias do Unocultural surgiu na minha cabeça conversando com o Júpiter no final do ano passado em São Paulo. Conversávamos sobre essa possibilidades que o excesso de mainstream nos possibilitam. Ou seja de termos autonomia em relação a obra e podemos nos possibilitar e conseqüentemente possibilitar ao publico as mais diferentes mutações dentro do contexto artístico. Nesse sentido Júpiter é explosivo. Ele é a mutação. Conversei com ele e deixei-o a vontade para explorar o segundo show da maneira que lhe conviesse. Ao meu ver, esperava algo mais intimista no sentido voz e violão ou algo do tipo, um tanto quanto João Gilberto mas ele preferiu um formato mais Talentoso. Até pedi a música no show e ele agradeceu dizendo que sabia que era talentoso. Mas na verdade o que pudemos presenciar foi muito além disso. Não foi somente intimista, foi útero total. Uma criança moderna que nos possibilitou ir além. Mesmo com a presença do Astronauta Pingüim e Julio Sasquat, Júpiter estava sozinho, desnudo e cerebral. Um mosaico. A passagem era sonora. Talvez o momento máximo da criação e espontaneidade. Poucas vezes eu pude presenciar o que eu vi acontecendo no sindicato dos bancários. Foi tudo muito surreal, ao mesmo tempo belo e cinematográfico. Pouca gente (cerca de 250 pessoas) viu mas com certeza o transe foi coletivo. Uma sintonia cósmica. Uma mistura de vários elementos. O rei esta nu gritou a criança em meio a platéia e mesmo assim não foi suficiente para acordar as pessoas. Um clima soturno e medieval, introspectivo ao extremo ora com vocais sussurrados ora com vocais operisticos. A subversão da obra proporcionou momentos insanos de puro improviso musical em contra partida as sacações do mestre no momento da criação.
Eu perguntei pra ele naquele fim de semana o que vai ser o show Júpiter e ele sempre muito associativo dizia, vai ser lindo, uma mistura de Cat Power com Velvet Underground. Eu diria mais, foi Júpiter, Apple, Maçã, Power com Blue Velvet e totalmente underground mas mainstream ao mesmo tempo. Uma experiência introspectiva, cinematográfica e única. A trilha sendo executada ao vivo e as imagens sendo relacionada por cada um ao seu modo e com as suas respectivas referencias. Ai eu me permito dizer o quão surreal foi aquilo tudo. Júpiter Maçã tocou com os olhos fechados, totalmente primitivo e instintivo, improvisando texturas. Hora encarnando um Syd Barret com uma guitarra psicodélica repetitiva, e com olhar distante, encoberto pelos óculos escuros. Hora alegre brincando com o publico presente. Uma catarse coletiva. Foi isso.
Não posso deixar de registrar a presença de Pingüim e Sasquat encobertos pela luz escura, mas presentes de forma única e interagindo totalmente com aquilo que eu poderia nominar de um experimentalismo sensorial espacial. Clegue França a mais nova dona do coração do menestrel acompanhou tudo de perto. Ensaiou toques e viradas para o baterista como um verdadeiro espelho. Totalmente imersa ia se surpreendendo com tudo juntamente com uma platéia atenta. Foi show de malabarismo. O publico suava frio e sempre atento a qualquer possível deslize do trapezista. Mas não caiu nada. Ou melhor caiu tudo. Os conceitos ficaram em frangalhos. Posso escrever qualquer coisa, e nada vai chegar perto. Posso até mostrar os vídeos. Mas nesse caso assim como em muitos outros os registros não fazem sentido. O registro é apenas uma vaga lembrança visual e sonora capturado pela lente mecânica de uma maquina fotográfica. Pensando bem vou deletar os registros. Esse show merece ficar na memória. Se um dia isso puder ser resgatado vai ser através da leitura dos cérebros presentes. Reuniríamos todos e formaríamos o mosaico multicultural mais intenso. Se fosse para resumir eu diria sem dó nem piedade: momento único. É isso que resume tudo.
Júpiter passou por uma fase um pouco complicada, mas nada como vê-lo ali viajando naquilo que ele sabe fazer de melhor que a sua arte. Ao sair do palco o público quis invadir. Foi impulsivo. Todos queriam agradece-lo ou levar um pouco pra casa. Ele olhava e ria feliz como uma criança que realiza a maior de todas as traquinagens. Viu o que eu fiz? Risos, muitos risos. De alegria.
Vou publicar a parte 3 e 4 (talvez 5) depois.
Crédito das fotos: Yusana + Rodrigo Grau